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dimanche, février 22, 2009

CAPÍTULO II - MÚSICA MEDIEVAL - do século 7 ao 15

CAPÍTULO II


A MÚSICA MEDIEVAL - do século 7 ao 15


1 - Introdução



O termo “medieval” vem da expressão latina "medium aevum" (época intermediária) dada pelos historiadores renascentistas ao período compreendido entre o desaparecimento do Império Romano e os novos interesses pela cultura greco-romana no século 15. O regime sócio-econômico predominante foi o feudalismo, caracterizado pela exploração da terra e por uma complexa hierarquia político-militar entre as pessoas. Este regime dividiu a Europa em minúsculos territórios. O fator de coesão era a Igreja Católica que, de fato, decidia o destino de todos.



É um engano qualificar este período como a "Idade das Trevas": ao contrário, a sua rica produção cultural sintetizou os conhecimentos greco-romanos, germânicos, árabes, judaico-cristãos, bizantinos, etc., manifestou-se em todas as áreas artísticas (arquitetura, marcenaria, artes visuais como pintura, escultura, vitrais, iluminuras etc., literatura como canções de gesta, romances de cavalaria, baladas, fábulas etc.) e continuou a investigar os princípios da ciência e da filosofia. Os seminários e conventos mantiveram gigantescas bibliotecas. Enfim, este período, mesmo com suas guerras, epidemias, fanatismos, misticismos, etc. preservou a civilização humana na sua integridade. O campo musical nos dá uma pequena mostra da riqueza cultural do período.



2 – Música religiosa medieval



As músicas mais antigas, que podemos executar com muita fidelidade, são os cantos gregorianos criados para o culto católico.



Da música cristã primitiva só nos restam os poemas, mas, mesmo assim, os pesquisadores percebem que a origem dos cânticos era muito diversificada:

· salmos e hinos religiosos dos judeus;

· canções profanas de outras culturas (Grécia, Roma, entre outras) adaptadas ao pensamento cristão

· criações próprias cristãs



Até o século 4, todos os fiéis participavam das várias cerimônias, cantando, batendo as mãos e os pés, dançando discretamente e até tocando instrumentos, tais como: harpa, saltério, órgão, trompete, sinos etc.



No século 5, a Igreja Católica, querendo uniformizar o seu culto em todos os lugares, tratou de desenvolver um estilo único e criar uma escritura musical exata. Para suplementar isto fundou a "Schola Cantorum", em Roma, onde os padres-compositores deveriam estudar. A partir de então um coro profissional passou a exercer todas as funções musicais nas cerimônias. Instrumentos não eram mais permitidos, pois foram considerados pelo clero, como terrenos ou demoníacos, enquanto a voz humana foi valorizada por ser uma criação divina. Mesmo assim, algum instrumento era utilizado, com ou sem autorização dos religiosos, para sustentar a correta afinação do coro. Depois de muitos debates, o canto gregoriano foi oficializado no início do século 7.



2.1 – Ars Antiqua – séculos 7 a 13



A música medieval denominada "Ars Antiqua" (arte antiga) é aquela que abrange desde o canto gregoriano até a invenção do moteto, dos séculos 7 ao 13.



2.1.a - Características



A música religiosa deste período é estreitamente ligada ao canto gregorian que serve de base para todas as composições. Sua sonoridade é muito diferente da nossa realidade, mas, também por causa disto, os cantos gregorianos nos envolvem, criando um clima de tranqüilidade e as primeiras experimentações do organum nos aparecem como curiosidades experimentais e ruidosas. Nesta época criaram a terminologia musical (incluindo o nome das notas), criaram a

grafia e desenvolveram as primeiras teorias musicais ocidentais.



2.1.b - Canto Gregoriano - século 7



Gregório I, papa entre 590 a 604, e outros compilaram, compuseram e organizaram vários poemas e canções, que foram reunidos nos livros:

- Graduale (cantos solos e corais para todas as festas católicas)

- Kyriale (cantos para as partes fixas das missas)

- Antiphonale (cantos, hinos e orações dos monges)



Esta música tem as seguintes características:

- é o canto oficial da Igreja Católica;

- o texto é em latim;

- a importância é dada ao texto e não à música (objetivo é propagar a fé e não fazer um recital);

- deve ser cantado, obrigatoriamente, só por homens (mas recentes pesquisas em conventos, descobriram milhares de cânticos compostos e interpretados por mulheres);

- não pode ter acompanhamento instrumental de qualquer espécie;

- é prosódico (um tipo de canto falado);

- melodias simples com pouca mudança de notas e uma tessitura menor que uma oitava;

- monofônico (uma única linha melódica);

- diatônico (escalas sem alteração cromática ou microtonal);

- modal (escalas de sete sons, ligeiramente diferentes das nossas escalas);

- o ritmo depende das palavras, portanto é livre de fórmulas de compasso;

- não tem preocupação com a dinâmica;

- o andamento, geralmente, é lento;

- os compositores são anônimos, pertencentes ao clero.



A melodia do canto gregoriano depende da forma do poema e se desenvolve numa linha quase que infinita, descendo e subindo por graus conjuntos e com raros saltos intervalares. Ela tem caráter sereno e é uniforme em suas nuances.

Não havia um regente, apenas os ensaiadores ou professores de canto que regiam o grupo com o rolo da partitura, apelidado de "solfa" (uma espécie de brincadeira com os nomes das notas - e daí vem a palavra "solfejo", treino melódico-rítmico). Escrevia-se a música com bico de pena de ponta quadrada e tinta em um rolo de pergaminho, de cor bege.



No século 19 esta música foi batizada, pelos monges de Solesmes (França), de "canto gregoriano", em homenagem àquele papa. Também recebeu o nome de "cantochão" ("cantus planus" em latim) no século 13, para diferenciá-lo do "canto mensurado", quando inventaram as figuras rítmicas,



2.1.c - Organum - séculos 9 a 13



A origem mais provável desta palavra é grega e, talvez, signifique "voz". Outros optam por instrumento. Na Idade Média, entretanto, foi o nome que se deu aos primeiros trabalhos polifônicos, ou melhor, às primeiras manifestações documentadas deste tipo de textura musical. Há até pesquisadores demonstrando que era uma técnica não religiosa adotada pelos padres.



Organum também recebeu o nome de diafonia ("conjunto de dois sons" em grego). Partindo do cantochão os compositores acrescentaram uma segunda voz. O cantochão, base desta música, recebeu a denominação de "vox principalis" ou "cantus firmus" ("canto firme" em latim). A segunda voz foi chamada de "vox organalis" ou "discantus" ("canto diferente" em latim). Para embelezar e reforçar a sonoridade, usavam instrumentos.



Um tipo especial de organum é o "organum melismático". A palavra "melisma" em grego significa "canção". Na técnica medieval de composição de organa, melisma passou a significar um fragmento melódico ou grupo de notas baseado numa sílaba. Em outras palavras: a voz composta era trabalhada em pequenos fragmentos, fazendo vários movimentos livres com notas curtíssimas, tecendo uma espécie de bordadura em torno das notas do cantochão, que foram transformadas em notas de durações longas. Provavelmente esta técnica teve origem nas improvisações feitas pelos próprios cantores durante os rituais, além de alguma influência popular.



A voz do cantochão passou a se chamar tenor ("sustentador" em latim) porque sustentava as notas longas. Este tipo de organum era cantado no final do ofício religioso, para torná-lo mais solene, nobre e ou impressionante. A invenção deste tipo de ornamentação causou muita polêmica entre os líderes religiosos, pois, muitas vezes, havia uma liberação para o seu uso, outras vezes era controlado e, em outras épocas, era totalmente proibido.



Neste começo passam a elaborar as regras de combinação de notas ou, em termos musicais, principiam a desenvolver as técnicas do contraponto (puntum contra punctum - "ponto contra ponto" em latim).



Nos séculos 12 e 13, na Espanha e na França, padres pesquisavam um outro tipo de organum, colocando mais vozes acima do canto gregoriano. Primeiro eles compunham o cantus firmus, de origem gregoriana ou de alguma melodia profana, mas deformado pelos melismas. Depois faziam a segunda voz, mais tarde, experimentavam uma terceira voz e, ainda, uma quarta. A composição de cada voz deveria estar relacionada com o cantus firmus. Temos os nome de dois padres-compositores baseados em Notre-Dame: Leonin (c 1163/c 1201) e Perotin (início do século 13). Um outro nome que se preservou para História foi o da abadessa-compositora Hildegard de Bingen (1098/1179 - Alemanha).



Com várias vozes cantando simultaneamente, surgiu o problema rítmico: como organizar a escrita destas vozes para que cantem conjuntamente ,sem distorcer a intenção do compositor ?

É claro que eles "sentiam" as durações, mas era preciso criar uma grafia coerente, que procurasse abarcar todas as nuances e sutilezas rítmicas. Assim, no século 13, muitos sinais foram inventados, inclusive para os momentos em que não havia som.



As notas eram escritas nas cores preto, vermelho ou azul conforme as combinações rítmicas. As pausas eram sempre em preto. As figuram tomam as formas de quadrado, retângulo e diamante. Para distribuir no pergaminho todas as partes, os monges escreviam o tenor na parte de baixo e, para as outras vozes, repartiam em colunas na superior. Nas últimas décadas do século 13, todos os organa desaparecem devido a outras experimentações musicais.



2.1.d - Outros gêneros religiosos



Sempre houve, independente das ordens e contra-ordens papais, trechos durante as cerimônias católicas (missas, procissões, ofícios dos monges etc.) em que se usavam ou se criavam tipos diferentes de músicas. Estilisticamente eram como os cantos gregorianos, mas com uma maior flexibilidade para se adaptar às funções ritualísticas ou para a participação dos leigos.



Exemplos:

- Aleluia (deformação da palavra jubilus - "alegria" em latim): ornamentação na melodia da palavra;

- Amém ("assim seja" em latim): ornamentação na melodia da palavra;

- Antífona: alternação de coros;

- Hino: canto de louvor para algum santo;

- Responsório: melodia para solo e coro;

- Salmodia: recitativo solo ou recitativo com solista e coro;

- Seqüência: melodia repetida para solista ou para coro;

- Tropo: interpolações melódico-textuais entre duas palavras ou frases de um cântico qualquer.



Surgiram novos gêneros:



Clausula (século 12) –

Esta palavra significa "fechamento" em latim. Na parte final do organum, o compositor fazia o tenor melismático e as outras vozes eram mais ornamentadas. O cantus firmus original é completamente destruído. Os compositores, muitas vezes, substituíam uma clausula por uma outra, mesmo se a anterior fosse de um outro compositor diferente. A conseqüência da clausula é a destruição completa das melodias gregorianas. Assim os compositores procuram pensar em peças nas quais poderiam criar idéias originais.





Conductus (século 12/13)

É uma palavra latina que significa "condução". Era a música que acompanhava a entrada do padre para a missa. O ritmo básico era o de marcha para acompanhar os andar das pessoas. Opcionalmente, havia introdução e poslúdio puramente instrumentais. As melodias não eram baseadas em nenhuma composição anterior, porque dependiam da forma do poema a ser musicado.



Moteto (Século 13)

Moteto é uma palavra que vem do francês e significa "palavra pequena". Na História encontramos muitas grafias diferentes assim como sinônimos: mutetus, motellus, mocteta, modulatio, modulus, cantio etc. Em música passou a significar música com palavras, ou, especificamente, melodia em que foi acrescentado um texto original.



O moteto foi estruturado a partir de técnicas composicionais de vários gêneros: organum de Notre-Dame, conductus, clausula, canções profanas, danças e experimentações contrapontísticas. No início, consistiu na substituição do texto religioso de um organum por um texto novo. Depois desenvolveu-se com a superposição ou a criação de novos textos e melodias acima das vozes originais.



Estas melodias, com o decorrer do tempo, passaram a ser mais elaboradas, influenciadas pela música não-religiosa da época. Ao serem compostas elas eram concatenadas com a voz do cantus firmus, não importando a relação intervalar com as outras vozes. Os idiomas dos textos adicionais eram de origens variadas, podendo ser cantados simultaneamente em línguas diferentes. A forma do moteto era livre porque dependia do poema. Instrumentos reforçavam ou substituíam as vozes humanas. O moteto assumiu diferentes feições com o passar dos séculos, dos estilos e dos propósitos de cada compositor.



Em todos estes tipos de músicas (dos organa até os motetos) ainda não havia o regente, apenas ensaiadores, que, no momento da execução, ficavam em algum instrumento, quando este era permitido.



2.2 – Ars Nova - séculos 14-15



A expressão Ars Nova (significa, em latim, "arte nova") é o título de um livro do compositor medieval Philip de Vitry, que analisava as novas técnicas composicionais deste período.



A música da Ars Nova tem as seguintes características:

- a polifonia contrapontística domina todos os gêneros de composições religiosas;

- uso de melodia profana ou criada pelo compositor como cantus firmus;

- técnica do falso bordão (expressão derivada do francês medieval: fors bordon - literalmente "fora do grave"): é uma técnica de composição, harmonização e improvisação oriunda da Inglaterra, que consiste em colocar o cantus firmus no agudo e acrescentar duas linhas melódicas inferiores;

- acompanhamento instrumental dobrando e substituindo as vozes;

- como as músicas tornaram-se mais complexas, foi necessário alguém para coordenar todo o grupo: apareceu então a figura do mestre de capela (literalmente um professor de música de uma igreja) que dirigia com a solfa.



Principais compositores:

· Philip de Vitry (1291/1361);

Compositor e poeta francês. Foi bispo e funcionário público de vários reis franceses.

Também foi diplomata. publicou um livro sobre a música da época e desenvolveu a teoria

e a grafia sobre o ritmo. Só nos restam dele 12 motetos religiosos.



· Guillaume de Machaut (c 1300/1377)

Compositor francês. Também foi poeta. Serviu como padre e funcionário público a vários

membros importantes da corte francesa. Das suas obras temos motetos e missas, além de

muitas canções profanas.



· Guillaume Dufay (c 1398/1474)

Compositor francês. Era também padre. Trabalhou em Roma no coro papal e na corte de

Ferrara. Além de música religiosa (cerca de 100), compôs muitas canções profanas. É

considerado o maior compositor do século 15.



· Gilles Binchois (c 1400/1460)

Compositor e organista franco-belga. Foi também padre em várias capelas pelo interior

belga e norte francês. Também foi funcionário público da corte borgonhesa. Além de

compor para a igreja, ele fez várias canções com temas profanas. Restam-nos dele 150

composições.



Normalmente a carreira deles começava como menino-cantor de coro da sua paróquia e, caso se ordenasse padre, iam mudando de cidade, conforme as funções eclesiásticas o exigissem, até atingir um alto cargo, freqüentemente num centro político importante, no qual era responsável por todo o tipo de música.



2.3 – A história da notação



Os povos antigos (gregos, romanos e hebreus) tentaram inventar um sistema de escrita musical, mas tudo se perdeu com o decorrer do tempo. Uma tentativa de assinalar as alturas ocorreu durante os séculos 4 e 5 com abreviações de expressões latinas para cantar a mesma altura, um tom acima, um tom abaixo etc.



Uma notação mais elaborada, no princípio do século 7, consistiu em acrescentar, acima do texto a ser cantado, sinais derivados da gramática grega. Adotavam-se três:



/ \ ^




Esses sinais receberam o nome de neumas ("ar" em grego). Os neumas não indicavam com precisão as notas, mas ajudavam os cantores, junto com o movimento das mãos dos ensaiadores ou professores de canto, a lembrar da direção da melodia. Do século 9 ao 13, os neumas se desenvolveram graficamente e ficaram assim:







Para ajudar a encontrar a altura exata, começaram a escrever as letras do alfabeto latino, entre os neumas e o texto, ao menos na primeira nota. Um auxílio efetivo ocorreu quando lançaram mão de uma linha horizontal vermelha para indicar um tom central, para o qual foi escolhido o fá (abaixo do dó central), uma altura média e confortável para a voz masculina. Mais tarde colocaram uma outra, de cor amarela ou verde, sobre a anterior para indicar o dó central.



Guido d'Arezzo (c 991/c 1033; Itália), descreve o uso do "tetragrama", ou conjunto de quatro linhas, todas em vermelho, no século 10. As duas novas linhas eram colocadas do seguinte modo: uma entre as duas antigas e a outra, nova, acima ou abaixo das antigas conforme a extensão da melodia. O "pentagrama", as atuais cinco linhas, só foi inventado no século 12 para escrever as primeiras músicas polifônicas e canções e danças profanas. As linhas suplementares só surgiram no século 16.



Ao inventarem uma quantidade maior de pautas, necessitou-se usar as claves ("chaves" em latim) para entender e decifrar as alturas, evitando-se também colorir cada linha com uma cor diferente. As claves são escritas no começo da música e sua linha varia conforme a tessitura do cântico. As duas claves usadas naquela época eram:









A clave de sol, derivada da letra G, só apareceu em meados do século 14.

Como cada monge, ao copiar a música, a escrevia com a sua própria caligrafia, modificava o desenho da letra das claves originais, até que, por volta do século 16, com a imprensa musical, estes símbolos padronizaram-se.



As notas musicais alcançadas pelos medievais religiosos eram as seguintes:

(escala)

A letra G (gamma em grego) era a nota mais grave e passou, portanto, a ser sinônimo de tessitura ou escala.

O nome das notas foi supostamente dado por Guido d'Arezzo, procurando facilitar a memorização das melodias. Pesquisando centenas de cânticos, deparou, num hino a são João Batista que cada verso começava com uma altura diferente e imediatamente superior ao anterior. Assim ele trocou as letras pelas sílabas:



C
Ut

D
Re

E
Mi

F
Fa

G
Sol

A
La




O nome da nota restante surgiu, no final do século 15, da contração do nome do santo homenageado: Sancte Ioannes (SI).



Giovanni Battista Doni (1595/1647), compositor e teórico italiano. Para facilitar o solfejo no idioma do seu país, trocou o nome da nota ut pela primeira sílaba do seu nome do, adotado posteriormente por espanhóis e portugueses. Os franceses continuaram com o nome da nota original. E os ingleses e os alemães continuam com as letras, mas, para o solfejo, adotaram os nomes com algumas modificações devido às suas pronúncias nacionais.



O nome dos acidentes também nasceu nesta época. Com a necessidade de rebaixar em meio tom o B, a fim de evitar o trítono, eles o escreviam com a letra minúscula arredondada, b , acima da pauta, chamando-lhe de be molle ("b suave" , "b macio" ou "b mole" em latim) ou be rotundum ("b redondo"). E quando queriam o B natural, escreviam-no de forma quadrada, b , chamando-lhe de be quadratum ("b quadrado") ou be durum ("b duro"). Com os freqüentes rebaixamentos das outras notas e suas respectivas voltas ao natural, estas expressões se universalizaram. Em português tornaram-se "bemol" e "bequadro". Na Alemanha, a letra B é si bemol e H é si natural; isto porque os monges medievais daquele país não colocavam o traço inferior no "b quadrado".



O sustenido ("elevado" em latim) surgiu da mesma necessidade em relação ao trítono, mas elevando-se em meio tom a nota fá. Naquela época uma cruz era colocada acima da nota. Depois, seguindo os passos do bemol, todas as outras notas puderam ser sustenizadas. O uso sistemático dos acidentes só se deu no século 17. A grafia das durações ainda não era uma preocupação fundamental dos padres e só foi desenvolvida a partir do século 13, adaptada dos antigos neumas.



3 – Música profana Medieval



A palavra profano significa, em grego, "o que está à frente do templo religioso" ou "fora do prédio religioso" e, por extensão, aqueles assuntos que não são religiosos. A palavra não induz a anti-religiosidade, embora se use normalmente com este sentido.



A Igreja Católica, devido à confusão das invasões estrangeiras na Europa, principalmente nos séculos 3 a 6, procurou registrar a variedade de manifestações culturais. Assim ela poderia conhecer a mentalidade do seu novo "rebanho", ao mesmo tempo em que se utilizava de muitos de seus elementos para tecer sua própria simbologia. Não podemos esquecer que muitos homens e muitas mulheres pertencentes ao clero tinham origem destes povos e que, inconscientemente ou não, contribuíam com algo diferente ao pensamento cristão.



Assim, a partir do século 8, mais ou menos, os padres, que, a princípio, eram os únicos que sabiam grafar músicas, registraram milhares e milhares de canções de trabalho, de guerra, de marinheiros, de crianças, de ninar, de casamentos etc. Temos, também, preservadas as canções e danças tidas como simples lazer feitas pelos compositores profissionais. Nas canções, os assuntos variam entre o amor, a amizade, o escárnio e a pornografia mais deslavada, passando pelas aventuras, guerras, sátiras políticas e acontecimentos cotidianos.

Na sua maioria, eram peças monofônicas, mas existiam peças polifônicas e heterofônicas. O que nos resta são as melodias e poucas sobreviveram inteiras. O que ouvimos delas são arranjos modernos, com raríssimos grupos musicais fazendo uma pesquisa profunda. As peças eram modais, com escalas de variados números de notas, incluindo de uma nota só até divisões microtonais, além do cruzamento frutífero com os modos eclesiásticos oficiais.



Os principais gêneros eram: lai, virelai, balada caccia, rondeau e madrigal, entre outros. Ao longo dos séculos, deram origem às principais formas instrumentais ocidentais. O instrumental era riquíssimo. Como conseqüência das invasões, misturaram-se instrumentos gregos, romanos, judeus, árabes, celtas, vikings, entre outros. Os conjuntos eram formados por uma gama variada de timbres, freqüentemente os que tinham em mãos naquele momento. Os arranjos dos grupos atuais são baseados em ilustrações e narrativas da época, mas há sempre uma intenção nossa de fazer combinações por família, jogo de timbres e mais outras "modernidades", distorcendo um pouco a originalidade medieval.



Não conhecemos o nome da imensa maioria dos compositores destas canções e danças, mas, do que sabemos, muitas delas eram feitas por nobres, religiosos, camponeses e reis. Além deles temos os menestréis, trovadores, segréis, jograis, mestres-cantores e outros que, cruzando a Europa, divulgavam suas músicas e notícias em geral. Havia muitos torneios e desafios entre eles e muitas brigas sem música também.