Enfant

jeudi, août 03, 2006

Esta Mulher! Ùnica! "Diva da Viola Caipira"



"Fui mulher que nasci para agüentar paradas duras, porque nunca aceitei ser mandada por homem. Nasci prá ser eu, resolver tudo, em qualquer lugar do mundo." Helena Meireles

Esta Mulher! Ùnica! "Diva da Viola Caipira"

Eu a assisti e ouvi pela primeira vez há alguns anos atrás. Foi ao acaso, em um documentário que passou numa manhã de domingo. Bastou-me ouvir apenas algumas frases para que voltasse toda a minha atenção para ouvi-la, vê-la, e consequentemente depois de arrebatada por sua inigualável e peculiar personalidade, reverenciá-la.

Helena, esta pequena notável nasceu no dia 13/08/1924 "no meio da boiaderama", na Fazenda que se chamava Jararaca e que pertencia a seu Avô Materno. A fazenda localizava-se no Pantanal do Mato Grosso do Sul, numa antiga estrada de boiadeiros que acompanhava o rio Pardo e ligava Campo Grande ao Porto Quinze, embarcadouro de gado às margens do rio Paraná, na divisa do Mato Grosso do Sul com o Estado de São Paulo.
Helena passou a infância rodeada por violeiros, peões e comitivas. Era fascinada pelas Violas Caipiras, as quais, a família não permitia que ela aprendesse a tocar. Helena, porém, aprendeu sozinha a tocar o instrumento as escondidas uma vez que este mundo a qual ela tanto aspirava era reservado exclusivamente aos homens segundo um preceito da época: "Mulher que aprender a tocar vai roçar nos homens e virar sem-vergonha".
Os pais por sua vez, ameaçavam Helena de cortar-lhe os dedos e dar-lhe uma surra de lavar o lombo com salmora, caso ela persistisse na idéia de tocar instrumentos musicais. E a irreverente Helena respondia: "Tocarei mesmo com os tocos...". Com seus olhos sequiosos e os ouvidos sedentos, Helena grava os sons e as posições da "afinação Paraguaçu" que treinava quando ia com a família ao campo, onde ficava escondida no mandiocal treinando sozinha. Desta forma foi criando fama entre os boiadeiros da região. Helena adaptava uma linha de costura que fazia a vez das cordas da velhaViola a qual lhe fora dado de presente por um paraguaio.
Casou-se por imposição dos pais aos 17 anos e teve 3 filhos. Além da família, agora também o marido a impedia de tocar sua viola e de dançar.
Estrangeira dentro de seu próprio país, "sua Viola sempre foi sua Pátria" e ela não dizia palavra mais precisa do que o Ponteio triste em "acordes auto-falantes". Na música e no modo de tocar a Viola é que estava a sua essência.
Casou-se com apenas 17 anos, por pura imposição dos pais. Nesse primeiro casamento, teve três filhos; como se não bastasse a família, o marido também tentou impedi-la de tocar e dançar; no entanto, ela queria ser livre e o abandonou poucos anos depois. Juntou-se a um paraguaio, que tocava violão e violino; era bom companheiro de música e também de copo; e foram oito anos de convivência. Mais dois filhos e... nova separação.

E, a partir de então, mascava fumo e bebia... Sua índole rebelde não permitiu que tolerasse a família que fazia total oposição ao seu estilo de vida. Entregou os filhos a pais adotivos e passou a tocar em bares e viver em bordéis onde, com seu violão, animava a farra dos boiadeiros. E, nesse processo, conheceu diversos amantes e teve novos filhos, que chegariam a um total de 11.

"Só tocava prá ver a farra, não ganhava nada, mas quando a boiaderama chegava do Pantanal, de cima da serra ou de baixo, trazendo a boiada que ia embarcar em Presidente Epitácio, mandava chamar "a Paraguaia", como eles me conheciam".

Helena conheceu, no bordel do Porto Quinze, um peão pantaneiro, domador de burros bravos, chamado Constantino, que veio a ser o seu terceiro marido, e com quem viveu mais de 35 anos; e seguiram juntos para o Pantanal, onde trabalharam em "retiros" em diversas fazendas nas áreas mais remotas da região.

Mulher decidida, Helena Meireles também foi parteira - e, "parteira de si própria", fez sozinha, por onze vezes, os seus próprios partos - Foi também benzedeira, lavadeira e cozinheira nas diversas fazendas por onde trabalhou.

Com o passar do tempo, Helena deixou de mascar fumo e abandonou a bebida alcoólica, no entanto, não aposentou jamais o Violão nem a Viola, que tocava nas festas locais. Desaparecida da família, acreditavam que ela tivesse sido assassinada por um peão despeitado, na zona do Porto Quinze. Helena ressurgiu em Piquerobí-SP, próximo à divisa com o Mato Grosso do Sul.

Encontrada por sua irmã Natália, Helena, procedente de Aquidauana-MS, tentava chegar a São Paulo-SP, onde ouvira dizer que parte da família se estabelecera há 30 anos. Doente e paupérrima, conservava ainda a destreza instrumental e grande parte do inesgotável e precioso repertório de "jóias lapidadas" do nosso Cancioneiro Regionalista.

Foi descoberta pela mídia a partir de matéria elogiosa publicada na revista norte-americana "Guitar Player". Na verdade, uma fita gravada havia sido enviada aos Estados Unidos por seu sobrinho Mário José, filho de sua irmã Natália; Mário, que já havia morado na "Terra do Tio Sam" tinha um amigo que morava lá e este, por sua vez, encaminhou a fita à redação da revista "Guitar Player". E veio então a fama: Helena "enfrentou pela primeira vez uma câmera de TV" e subiu ao palco de um teatro também pela primeira vez quando se aproximava dos 69 anos de idade. Até então, sua platéia era composta apenas pelos habitantes da Fazenda Jararaca e fazendas vizinhas, além dos peões da "velha estrada boiadeira", bem como os freqüentadores e mulheres de programa das zonas de meretrício e botecos de diversas pequenas cidades sul-mato-grossenses e também do lado paulista da divisa dos dois Estados.

Foi escolhida pela revista Guitar Player como uma das "100 mais" por sua atuação nas Violas de 6, 8, 10 e 12 cordas: o prêmio Spotlight Artist (Revelação) da Guitar Player, em Novembro de 1993, que a incluiu entre as 100 mais da publicação, em meio a "idolatrados" roqueiros e jazzistas, tais como Eric Clapton, Jeff Beck, George Benson e Steve Ray Vaughan. A excelente técnica de Viola de Helena Meireles pode ser confirmada já no primeiro CD, gravado pela Eldorado em Setembro de 1994 em interpretações como "Fiquei sozinha" (Helena Meireles), "Chalana" (Mário Zan - Arlindo Pinto), "Molequinho Malcriado" (Domínio Público) e "Fim de Baile" (Helena Meireles), além de podermos também conhecer interessantes "Histórias e Causos" por ela narrados, como por exemplo, "Parteira de Si Própria". Não obstante o analfabetismo, Helena possui o dom da oralidade, típico do sertanejo. O acentuado sotaque do matuto sul-mato-grossense se mostra patente numa narrativa firme e saborosa, que valoriza nossa cultura regionalista. Narrações essas que não se constituem como "meros causos", mas passagens reais de uma vida aventurosa e repleta de lições para os corações e mentes preparados para recebê-las.

E, apesar da crise pulmonar de que foi acometida durante as gravações, oriundas de seqüelas de uma antiga tuberculose e de várias pneumonias, resultantes da vida desregrada e também dos incontáveis anos lavando roupas nas lagoas e rios do Pantanal, Helena nos mostrou sua voz com bastante esforço, em quatro faixas cantadas.

"Estou ficando louca, não lembro a letra. No tempo em que eu bebia uma cachaça não parava de cantar. Queria era ter vindo para este São Paulo quando ainda era moça. Ia fazer tanto sucesso! Não acho graça em cantar sem beber. Queria ter descoberto o sucesso moça..." Frase dita por Helena num show na Paulicéia Desvairada.

"Agora não toco mais de graça em lugar nenhum." Afirmava Helena, orgulhosa de seu talento, de acordo com Rosa Nepomuceno, na página 402 do seu excelente livro "Música Caipira - da Roça ao Rodeio". E, na página 400 do mesmo livro, Helena também afirmou: "Agora posso aceitar os convites pra churrasco, porque antes não podia comer..." E Helena prosseguia: "Eu sabia o tempo todo que eu tinha uma rosa na mão e que essa rosa nunca ia murchar..."

Determinada como ninguém, Helena passou então a viver numa boa casa avarandada, com churrasqueira e telefone em Presidente Epitácio-SP, próximo à divisa com o Mato Grosso do Sul. Helena também gostava de ouvir Pena Branca e Xavantinho e Milionário e José Rico; na Música Sentimental, Helena garantia que não havia aparecido até então ninguém melhor do que Francisco Alves, o Rei da Voz, por quem tinha grande admiração!

E seu gosto por chapéus masculinos pode ter sido herança do tio Leôncio, que morreu em 1998 com 96 anos de idade e que foi "a Escola de Viola de Helena Meireles". Tio Leôncio testemunhou a trajetória de Helena e viu também a grande reviravolta em sua vida, tendo conhecido inclusive sua bela casa às margens do Rio Paraná, em Presidente Epitácio-SP, onde Helena viveu até o fim de seus dias.

Helena Meireles gravou um total de 4 CD's, tendo sido os três primeiros pela Gravadora Eldorado e o quarto CD, pela Sapucay; são eles: "Helena Meireles", gravado em 1994; "Helena Meireles - Flor da Guavira", gravado em 1996; "Helena Meireles - Raiz Pantaneira", gravado em 1997; e "Helena Meireles - Ao Vivo - De Volta Ao Pantanal", gravado em 2003. A maioria das músicas são composições de sua própria autoria e Helena também nos presenteou com algumas peças de Domínio Público, além de composições tradicionais e consagradas da Região Pantaneira como por exemplo "Chalana" (Mário Zan - Arlindo Pinto) e "Merceditas" (Ramon Sixto Rios). O CD "Raiz Pantaneira" conta também com a participação especial de Sérgio Reis na faixa "Guiomar" (Haroldo Lobo - Wilson Baptista).


E, no dia 23/08/2005, Helena Meireles foi internada na Santa Casa de Campo Grande-MS com pneumonia crônica aguda em ambos os pulmões, além de insuficiência respiratória; chegou a apresentar melhoras consideraveis, tendo inclusive deixado o CTI, no entanto, a Diva da Viola "partiu para o Andar de Cima" na madrugada de 29/09/2005, quando contava 81 anos de idade, deixando um enorme vazio na Música Caipira Raiz e na Boa Música Brasileira...

Faleceu em Campo Grande-MS no dia 29/09/2005.